Em 23 de agosto de 2009 a cidade disse NÃO!

NÃO aos “espigões” na Orla!

No dia 23 de agosto de 2009 aconteceu uma “Consulta Pública” para definir se a população de Porto Alegre concordava com uma alteração na legislação municipal que permitiria a construção de um empreendimento residencial na Orla do Guaíba.

A cidade se mobilizou para impor uma derrota memorável aos defensores de “espigões” na Orla e foi vitoriosa.

80,7% dos que compareceram às urnas eleitorais votaram NÃO!

Vale lembrar o que escreveu o cineasta Carlos Gerbase após essa memorável vitória:

Porque NÃO!

Carlos Gerbase em 24 de agosto de 2009*

Venceu o NÃO, de goleada: 18.212 x 4.362. O que isso significa? Legalmente, que está proibida a construção de residências na área do Pontal. O que é proibir muito pouco, dizem alguns. Concordo. Também dizem que a consulta deveria ser muito mais ampla. Concordo. Também dizem que a pergunta deveria ser algo assim: “Você, como cidadão de Porto Alegre, admite a construção de qualquer coisa que prejudique a orla do Guaíba, paisagística ou ecologicamente, em nome do progresso?”

Concordo que seria uma pergunta muito mais bacana. Mas não concordo que seja uma pergunta viável. Teríamos que, primeiro, determinar o que é uma construção “paisagística e ecologicamente prejudicial à orla”. Também teríamos que determinar o que significa a palavra “progresso”. Em outras palavras: teríamos que colocar o Plano Diretor da nossa cidade para ser amplamente debatido e depois referendado numa Consulta Popular. Talvez seja uma boa idéia! Alô, prefeito Fogaça, fica a sugestão. Aí, sim, teríamos uma discussão ecológica com repercussão mundial.

Por enquanto estávamos “apenas” discutindo as possíveis residências no Pontal. Pode parecer pouco, mas era muito. A vitória do NÃO era fundamental neste momento. Aprendi, faz tempo, que a política – durante um processo eleitoral – é a conquista de consciências, e que isso acontece no campo do imaginário, e não na fria racionalidade dos argumentos. Também aprendi que, sem emoção, o imaginário não existe. Isso explica a derrota e a goleada sofrida pelo SIM, que prometia “mais empregos” e “mais progresso”.

Uma única bela imagem do pôr do sol derruba uma grande fila de argumentos racionais. Que bom! Foram exatamente a racionalidade, a modernidade, a crença no poder das máquinas e dos edifícios imensos que levaram a humanidade para esse beco sem saída que é o nosso planeta hoje. Cada vez mais, a racionalidade e a ciência precisam ser devidamente temperadas com a emoção e os sentimentos. Ou viveremos como máquinas em cidades construídas para máquinas.

A vitória do NÃO extrapola, e muito, o campo legal. É uma vitória que será citada milhares de vezes daqui pra frente. É uma vitória da noção de “ecologia” contra a noção de “progresso”. Desconfio dos que enchem a boca para falar de progresso. Esse progresso que está aí não me serve. É um progresso para poucos. É um progresso bom para quem ganha dinheiro com especulação imobiliária, com latifúndios nos campos, com fábricas de alimentos envenenados, e depois vai curtir o final de semana num sítio bacana, cheio de verde, longe da cidade poluída que ajudou a construir. É um progresso péssimo para a maioria da população, que já aprendeu algumas coisas sobre promessas de empregos e de lugares bonitos construídos pela iniciativa privada.

A Zero Hora de hoje (página 10, coluna de Rosane Oliveira) diz que “foi irrelevante a participação dos porto-alegrenses na consulta popular”. É uma frase muito estranha. A colunista política – que cotidianamente lida com pesquisas de opinião sobre a intenção de voto, e as utiliza para mapear o que está acontecendo na política da cidade – desconsidera uma amostragem de mais de 22 mil porto-alegrenses? Estranho.

Fui pesquisar qual é a amostragem de uma pesquisa do Ibope para uma eleição municipal. O Instituto Methodus, em 3 de outubro de 2008, entrevistou 1.050 eleitores e determinou que, com 3,1 pontos percentuais para mais ou para menos, num intervalo de confiança de 95%, o candidato José Fogaça estava na frente no primeiro turno e, num segundo turno, também venceria folgadamente. Quem é o prefeito da cidade?

Mesmo que a Consulta Popular não tenha estratificado a “amostra” (de acordo com classe social, região do eleitor, etc.), a amostra é vinte vezes maior! E tem mais: não se trata de responder a um pesquisador, muito antes da eleição, que depois anota a resposta num formulário, que depois entrega o formulário para alguém, que depois faz as contas e manda para o jornal. Foram votos em urnas eletrônicas!

Se essa “amostra” não vale para determinar a vontade da população, cara Rosane, por favor, não considere mais o resultado de nenhuma pesquisa eleitoral em sua coluna. Elas são todas “escassas” e “irrelevantes”. Menosprezar ou diminuir o resultado dessa votação é, no mínimo, pouco democrático. Aliás, se a democracia quiser ser mais ecológica e funcionar melhor, para o bem de todos, terá que ser cada vez mais participativa e menos representativa. Só por esse fato a Consulta Popular já se justifica.

*Do Blog de Carlos Gerbase

O músico e cineasta Carlos Gerbase é diretor da Casa de Cinema de Porto Alegre.

Leia mais sobre a vitória do NÃO:

Quem construiu a Vitória do Não

Porto Alegre disse NÃO

Frente do NÃO

Ouça o final do programa Conversas Cruzadas que antecedeu a “Consulta Pública” do dia 23 de agosto de 2009:

8 pensamentos sobre “Em 23 de agosto de 2009 a cidade disse NÃO!

  1. Há imensas contradições em todo este processo, e a primeira delas está na “vitória de pirro” obtida após toda a mobilização.

    O que se conseguiu?

    Se conseguiu que não sejam construídas habitações no pontal. Perfeito, não vai se privatizar a Orla. Ou melhor. Não vai se privatizar a Orla?

    Coloco como pergunta a afirmação, pois simplesmente houve um proibição do uso residencial para o Pontal, o uso comercial é permitido, agora eu pergunto, qual a diferença? Prédios comerciais são prédios privados, no limite alguém poderia adquirir um prédio inteiro, colocar paredes de gesso acartonado no interior dos escritórios e vendê-los para quem quiser. Nada impede que eu ou qualquer pessoa viva dentro de seu escritório. No momento em que se compra um imóvel comercial não há nenhuma lei que impeça o seu uso residencial, e inclusive fica mais interessante, se compra no nome de uma empresa, se coloca todos os custos de manutenção dentro da contabilidade da mesma e se diminui o imposto de renda! Por que não?

    Outra coisa, o que a população ganha de lucro tendo o por do sol retirado por um edifício comercial no lugar de um edifício residencial?

    Em resumo, este movimento todo inviabilizou um tipo de apropriação privada do Pontal permitindo outro.

    Parabéns, grande vitória.

    • O que se conseguiu?
      Em primeiro lugar, Rogério, se conseguiu conscientizar boa parte da população sobre a questão da Orla, sobre o direito que o cidadão comum tem de atuar nessas questões que normalmente ficam nos gabinetes do executivo, legislativo e de algumas empresas.

      Rogério, fora apresentada uma alteração de lei para beneficiar um empreendimento à revelia dos interesses da população da cidade.

      Sempre foi manifestado que o “mote” da mobilização era dizer NÃO a toda e qualquer construção de espigões em nossa Orla, sejam comerciais ou residenciais e a manutenção da lei anterior que limitava volumetria e alturas das possíveis construções, até que ocorrese a reversão da lei anterior, que a área voltasse a ser pública como fora até a instalação do Estaleiro Só naquela área.

      Com a mobilização conseguimos que ocorresse a primeira consulta no Brasil à população para referendar (ou não) uma lei que boa parcela da população discordava.

      A grande vitória na realidade não foi apenas a acachapante vitória do NÃO, foi pautar a grande mídia num assunto que não queria destacar, foi também aumentar a fiscalização sobre o legislativo e executivo que muitas vezes se curvam a interesses de grupos econômicos.

      • Parece que não me entenderam! O que estou questionando é não contextualização do problema da orla num problema maior no nosso município, exatamente a volatidade do nosso plano diretor que se movimenta de acordo com as conveniências da indústria da construção civil. Se proclamou vitória em simplesmente com isto desmobilizou-se e não se integrou a reivindicação em algo maior.

        Aceitaram um plebiscito de trocar seis por meia dúzia, empreendimentos residenciais por empreendimentos comerciais, inclusive não existe lei nenhuma que proíba alguém morar num prédio construído para o comércio, o inverso existe, mas morar num edifício comercial ou misto não.

        Conseguir que pessoas votem em algo que não lhe afeta diretamente é simples, a chamada minoria barulhenta (contraposição da minoria silenciosa) facilmente se mobiliza, porém o âmago da questão como não foi tocado, não colocou a maioria em campo.

        O que ocorre neste momento, vão lançar um empreendimento comercial, vão ocupar parte da orla e vai sobrar para os 18212 que votaram um sentimento de derrota maior do que o sentimento de vitória.

  2. Coisa mais ridícula, vocês sabem muito bem que a “vitoria no não” somente ocorreu porque o voto não era obrigatório, aquele primeiro projeto do pontal era muito bonito, iria valorizar muito a área,e tinha acesso a orla SIM, deixando a região muito bonita, “privatizar a orla”, porque não batem lá na porta do Grêmio e do Internacional que também tem empreendimentos na orla ? Ou dos moradores da zona sul ? Ou das vilas? Alguém comprar o terreno e querer construir é privatizar a orla, mas vilas e mendigos invadirem terrenos não é ? É aquela tipica história do caranguejo baiano e o caranguejo gaúcho, já que nunca vão ter dinheiro para morar ali, então que ninguém more, ora, vão catar coquinhos e deixem Porto Alegre crescer.

    • Existe na justiça uma Ação Popular contra Grêmio, Inter, Prefeitura, Câmara Municipal e União referente a alteração na lei que beneficiou a dupla Grenal para as obras em seus estádios.

      Cabe lembrar o que escreveu o jornalista Flávio Tavares* na ZH de 23 de agosto de 2009:

      O Guaíba vem sendo ferido há dezenas de anos. Degradamos suas águas com fezes e detritos químicos, sem educar sobre o uso dos resíduos domésticos ou industriais. Os aterros encolheram o rio. O Centro Administrativo e os tribunais estão sobre o que era água, tal qual o estádio Beira-Rio e centenas de prédios residenciais, além do prolongamento da Avenida Borges de Medeiros. Os parques Marinha e Maurício Sirotsky, aterrados para serem pontos de convívio com a natureza, cada dia diminuem suas áreas verdes, perdidas para edificações de vários tipos e seus pátios de estacionamento.

      ***

      A consulta popular sobre o pontal do Estaleiro Só não é assunto exclusivo da Capital, mas interessa ao Estado e ao país. Aqueles 60 mil metros quadrados têm em si um simbolismo profundo. Que tipo de cidade queremos? Aquela em que nos integramos com a natureza e a vida do planeta como um todo, em que água e terra se entrelaçam com ar e pássaros? Ou a cidade dura, em que asfalto e cimento são reis e os edifícios verticais ocultam morros, limitam espaços ou nos fazem cegos para as águas do rio?

      Não, não é essa a cidade que queremos.

      *Jornalista e escritor

      O texto completo está aqui: https://poavive.wordpress.com/2009/08/21/mobiliza/

  3. Entendemos, Rogério.
    Nos parece que tu não entendeu o que foi colocado, talvez por não acompanhar a luta dos Movimentos, especialmente o da Orla.
    O Movimento em Defesa da Orla atuou muito no Fórum de Entidades para a Revisão do Plano Diretor da cidade. Posteriormente muitos dos integrantes do Movimento participam dos Fóruns das Regiões de Planejamento, alguns inclusive atuam como conselheiros das RPs junto ao CMDUA.

  4. Acho que essas míseras 23 mil pessoas que votaram não podem ser tomadas como parâmetro em uma cidade com mais de 1.000.000 de eleitores. No mínimo ridiculo levar essa decisão à cabo, sendo que diversas pessoas votaram sem ao menos saber no quê. Mas, ok.

    • Ao contrário, Mateus.
      Com todas as dificuldades impostas e sem divulgação apropriada – cabe lembrar que a própria prefeitura que enviou o projeto como referendo, depois alterou para consulta pública sem a participação da justiça eleitoral e sem propaganda para ambos os lados – apenas 23 mil pessoas que tinham conhecimento do assunto decidiram participar da “Consulta”. E desses participantes 80,7% votaram NÃO.
      Isso é o que se chama de participação cidadã, independente da escolha que tenham feito.

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