Nada de novo com a OSPA

IAB/RS mantém sua posição:

Arquitetos contestam o projeto da Sala Sinfônica da OSPA

Projeto da futura Sala Sinfônica da OSPA

O Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB-RS – enviou carta ao governador Tarso Genro e ao secretário de Estado da Cultura Luiz Antonio de Assis Brasil contestando o projeto da nova sede da OSPA, avaliada em 37 milhões de reais e ainda sem data marcada para o início das obras.

A entidade representativo dos arquitetos exige que a escolha seja feita por meio de concurso público. O projeto da Sala Sinfônica da Ospa, no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, custou 1,1 milhão de reais e foi financiado pela Souza Cruz através da lei de incentivo à cultura federal (Lei Rouanet).

O IAB é totalmente a favor da realização desta obra no prazo mais breve possível. Mas investimentos públicos devem ser contratados por meio de concurso público. Queremos que a lei seja cumprida e que um investimento desta importância seja feito da melhor maneira possível – disse Carlos Alberto Sant’Ana, presidente do IAB-RS, segundo o jornal Zero Hora.

Isso não é nenhuma novidade, pois não é a primeira vez que o IAB se manifesta a respeito do assunto. A posição é defendida pelo menos desde 2003, quando a pedra fundamental da Sala Sinfônica chegou a ser lançada no terreno do Shopping Total, obra que não saiu em virtude da reação dos defensores da Rua Gonçalo de Carvalho contra uma enorme garagem com sete andares que faria parte do complexo OSPA.

A Sala de Concertos Muziekgebouw, em Amsterdam. O projeto foi escolhida por concurso e recebeu inúmeros prêmios de arquitetura.

O texto a seguir foi  publicado na Revista Aplauso em dezembro de 2003:

Bisturis, Batutas e Urbanidade – a questão do novo Teatro da OSPA

Já está em andamento a construção do novo Teatro Sinfônico da OSPA. O projeto, que está avaliado em R$ 10 milhões, no entanto, vem recebendo críticas de arquitetos, principalmente porque não passou por seleção em um concurso público. É o que contesta o vice-presidente do IAB-RS e membro do Conselho Estadual da Cultura, arquiteto Iran Rosa, no artigo a seguir

O Teatro da OSPA será transferido de local, conforme anunciado na APLAUSO 51. Recebemos essa notícia, no IAB-RS e no Conselho Estadual da Cultura, como uma sucessão ruidosa de movimentos descompassados e arrítmicos. Um novo projeto – que está sendo concebido e executado na gestão do cardiologista Ivo Nesralla – brota assim, do nada, com a forma de uma caixa de sapatos, “de acordo com as mais modernas tecnologias” (!), junto ao conjunto de prédios tombados da antiga Cervejaria Brahma, inserido em um contexto urbano já complicado e trombótico, prestes a se romper.

Urbanidade se refere não somente às questões urbanas em si, mas às relações humanas, conforme consta nos dicionários: delicadeza; civilidade; cortesia; afabilidade. Portanto, comparar o trabalho de um urbanista com o de um médico cirurgião é bem plausível. De um lado a lapiseira, do outro o bisturi. Aqui o paciente chamado cidade, ali um indivíduo. Devemos supor que um bisturi será usado com delicadeza e civilidade, pois o corpo humano é sensível, não desejamos ser trucidados numa mesa cirúrgica. Estando no lugar de pacientes, que nos tratem com afabilidade, afinal, somos humanos. O urbanista, ao traçar por sobre a cidade, o faz com o mesmo sentimento e habilidade.

Sabe-se que para atingir bons resultados em tudo o que se faz é necessário o conhecimento das etapas a serem cumpridas e a sua ordenação. Assim, não se pode acreditar que uma cirurgia se inicie pelo corte sem antes o paciente ter sido preparado, anestesiado. Para desfrutarmos dos mágicos momentos proporcionados pela execução de uma peça musical são necessários anos de estudo e treinamento e horas de ensaio pelos integrantes da equipe que faz uma orquestra sinfônica. Pergunto-me então: por que, ao se tratar de um espaço em que se preza a organização, o ensaio não aconteceu?

Sim: desejo, como muitos, que Porto Alegre tenha um espaço adequado para sediar sua orquestra sinfônica, a nossa OSPA! Tão querida, protagonista de momentos históricos, realizadora de encantos que hão de perdurar na memória de tantos amantes das artes. Mas também desejo que sua sede seja a mais elegante e eficiente do mundo e que esteja corretamente inserida no contexto urbano e ambiental da cidade. Desejo que o novo Teatro da OSPA tenha o respaldo da lei (especialmente da Lei Federal nº 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos realizados pela administração pública), do Estado, dos cidadãos e da comunidade das artes e da arquitetura. Por isso, peço que a nova sede da OSPA nasça através de um Concurso Público Nacional de Arquitetura, atendendo a legislação federal vigente e legitimando-se junto à sociedade.

Projeto da nova Sala Sinfônica da OSPA - outro ângulo

Em 1524, Michelangelo, Sansovino e Palladio participaram de um concurso para a Ponte do Rialto. E perderam! Em 1844, Viollet-le-Duc ganhou um concurso para a restauração da Catedral de Notre-Dame, em Paris. Exatamente: um concurso de arquitetura no século 16 e outro no século 19. Enquanto isso, quase 200 anos depois – e talvez séculos separados de Veneza e Paris –, em Porto Alegre um cirurgião decide o local e a forma de um teatro.

Estamos convivendo com uma operação sem plástica, em que é enxertado um abcesso em forma de caixa de sapatos, em que o tecido urbano é rasgado, gerando desmedida cicatriz e consolidando um verdadeiro nó nesse sistema viário em iminente trombose. Não creio que qualquer médico permitiria tamanha intromissão no trato com algum de seus pacientes. Ora, a cidade é um paciente. E os doutores que a analisam, diagnosticam e curam suas enfermidades são os arquitetos e urbanistas. Será que estes não sentem-se ofendidos? Creio que sim. Ofendidos por nem sequer terem sido consultados. Mais ainda pelo, digamos, curandeirismo urbano.

Muziekgebouw de Amsterdam - foto: Menno Tummers

Lembro que o novo Teatro da OSPA já foi objeto de concurso público promovido pela Secretaria de Estado da Cultura e organizado pelo IAB-RS, em 1998. Não que o projeto vencedor – escolhido de forma justa e democrática, e que determinava a construção do teatro junto à Usina do Gasômetro – tivesse de ser construído agora. Até porque, dizem, o local deve se tornar sede de um complexo gastronômico. O que lamentamos é que o atual presidente da OSPA não compreende que para orquestrar a sinfonia que propõe é necessário que todos os integrantes da equipe contribuam com suas habilidades e competências específicas em tempo.

Tenho a clara convicção de que, ao adotar a via correta, todos os esforços empreendidos pela presidência desse órgão do Estado serão devidamente recompensados. Com civilidade e cortesia, o bisturi precisa ser deixado de lado para que os arquitetos ergam suas lapiseiras. Assim a população terá a oportunidade de, num futuro próximo, assistir ao maestro alçar sua batuta dando início ao primeiro movimento com dignidade, respeito e ética.

Iran Rosa

arquiteto e urbanista

Vice-Presidente IAB-RS

Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento do Rio Grande do Sul

Conselheiro de Estado da Cultura

Artigo publicado na Revista Aplauso nº 52, dezembro de 2003, pág. 35

Sala de Concertos Muziekgebouw, em Amsterdam, Holanda.

Interior - Sala de Concertos Muziekgebouw, em Amsterdam, Holanda.

 Saiba mais sobre  a Sala de Concertos Muziekgebouw de Amsterdam:

Over het Muziekgebouw – Site oficial

Os arquitetos que venceram o concurso – 3XN – Site (en)

Architect Day: 3XN

Music to your ears – World Architecture News

The Music Building in Amsterdam by 3XN – Dexigner

Sala de Concertos Muziekgebouw, em Amsterdam, Holanda.

2 pensamentos sobre “Nada de novo com a OSPA

  1. Ué? Os holandeses “copiaram” ou se “inspiraram” no projeto do teatro da OSPA?
    hehehe…
    Só faltava essa, projeto com dinheiro público, sem concurso e ainda estranhamente parecido com um teatro europeu. Estamos ficando cada vez mais “progressistas”

  2. São dinamarqueses os arquitetos que ganharam aquele concurso internacional para a sala de concertos. Isto aconteceu em 1997 e o prédio foi inaugurado em 2005.

    Um artista, do qual não recordo o nome, que disse que devemos copiar inventando. O teatro da Ospa é uma cópia mal feita, um objeto simplesmente, inserido naquele sem urbanidade alguma.

    O prédio holandes foi consagrado não por sua arquitetura mas pela dinâmica possibilitada por seu uso que gera uma intensa urbanidade. Funciona 24hs!

    Não sei se um dia chegaremos lá, esse complexo de vira-lata não permite.

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